quarta-feira, 1 de maio de 2024

50 anos/50 livros – 25 de Abril 1974/2024 - Sindicatos (xiii)

 Sindicatos (em mil palavras)

 

Os sindicatos e as associações de classe são uma das consequências da Revolução Industrial e têm um papel muito importante na regulação e regulamentação dos direitos dos trabalhadores, como contraponto ao poder do patronato e também do Estado que, historicamente, defende primeiramente as empresas e o lucro delas.

 

Nas sociedades avançadas, no norte da Europa, como os neoliberais gostam de evidenciar, os sindicatos têm um papel fundamental na regulação das relações entre o trabalhador e a empresa e entre o trabalhador, a empresa e a sociedade. Os sindicatos têm uma função primordial, na defesa do trabalho com direitos e salários mínimos, e são aceites com toda a naturalidade, como uma das organizações da sociedade que contribuem para a melhoria das condições de vida dos seus sócios e da sociedade no seu conjunto. Em algumas profissões a sindicalização é obrigatória, como acontece nos Estados Unidos, por exemplo.

 

Em Portugal, a situação é bastante diferente e está relacionada com a nossa História, a chegada tardia da Democracia, e a forma como os trabalhadores foram sempre subalternizados perante as empresas, com a ajuda do Estado. De forma muito incipiente, os sindicatos e as associações de classe formaram-se no nosso país, em meados do século XIX, acompanhando as correntes ideológicas que se alastravam por toda a Europa industrializada, como forma de combater o liberalismo e o capitalismo. Os abusos das empresas e do capital tornava impossível as condições de vida do operariado e de outras profissões, nas cidades e no campo.

 

Ganhavam forças as correntes ideológicas socialistas, republicanas, anarquistas e revolucionárias. Em Portugal, o anarco-sindicalismo, moderado, primeiro, revolucionário, depois, era a corrente sindical mais comum, no final da Monarquia e durante os 16 anos da República. Os republicanos combateram duramente os sindicalistas e o movimento operário.

 

A partir de 1912, sempre que havia uma greve, o governo enviava a Guarda Nacional Republicana, às vezes o Exército, para obrigar os grevistas a trabalhar e proteger a fábrica. E, frequentemente, dispersava as concentrações à bastonada e a tiro, prendendo e chegando a matar alguns grevistas. Por isso, quando chegou o Estado Novo, a partir de 1928, o movimento sindical estava enfraquecido. Os trabalhadores sindicalizados eram despedidos e acabavam por emigrar, além de que no final da Grande Guerra de 1914-18, o desemprego e o nível de vida subiram consideravelmente.

 

O Estado Novo tornou a sindicalização obrigatória em 1939, mas nem todos se tornavam sócios dos sindicatos. É que os sindicatos fascistas, designados “sindicatos nacionais”, não tinham poder reivindicativo, as direções destas entidades eram eleitas entre candidatos considerados “idóneos”, e depois ainda tinham de ser homologadas pelo governo. Os sindicatos do Estado Novo tinham-se tornado em sindicatos do regime, corporativos, “falsos sindicatos”, porque o governo negociava as condições laborais com as empresas e depois chamava as direções sindicais para assinar os acordos coletivos.

via https://www.cgtp.pt/

A partir da década de 1960, que também coincide com o início da Guerra Colonial/Libertação, as direções sindicais começaram a ser infiltradas por membros da oposição, muitos deles comunistas. Quando chegou o 25 de Abril de 1974, o movimento sindical aliou-se ao Partido Comunista Português fazendo parte de uma frente revolucionária que esperava uma enorme movimentação popular de forma a instaurar uma sociedade socialista e, por fim, uma “ditadura do proletariado”. No entanto, nas primeiras eleições livres, em 1975, eleições para a Assembleia Constituinte, que tinha a função de escrever a Constituição Democrática, o PCP não foi além de 12,4% dos votos e gorou-se a possibilidade de instaurar um regime socialista em Portugal.
UGT via https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=58426473

Logo a seguir, no mesmo ano, o movimento sindical procurou a unicidade sindical, quer dizer, uma única central sindical que agregasse todos os sindicatos na Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses - Intersindical Nacional. Mas o Partido Socialista não deixou e apoiou outra central sindical, a União Geral dos Trabalhadores, dividindo a influência dos sindicatos. Ficámos, pois, com duas centrais sindicais, ambas com assento na Concertação Social, que é o órgão onde se reúnem os patrões, os sindicatos e o governo, para discutirem periodicamente as questões laborais, como a Lei do Trabalho, os acordos coletivos de trabalho (que abrangem todos os trabalhadores de determinado sector, mesmo que não sejam sindicalizados), os aumentos salariais, a melhoria das condições de trabalho, etc.
Movimento dos Coletes Amarelos em Verneuil Grand, França, por Carmelo DG via https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=75945855

Nos últimos anos têm surgido sindicatos que não estão inscritos por nenhuma das centrais sindicais, imitando um movimento internacional e europeu, realizando ações de protesto, muitas vezes anárquicas ou impossíveis de atender, paralisando setores económicos, como já aconteceu em Portugal, na Educação, com as greves dos professores, ou nos transportes, com os condutores de matérias perigosas, ou com os portos, como as greves dos estivadores, entre outros setores e profissões.

 

O que se espera alcançar nos estados democráticos, que são estados liberais e capitalistas, é uma justa e melhor repartição da riqueza, de forma a diminuir as desigualdades e melhorar a vida dos seus cidadãos que são, ou foram, trabalhadores, portanto, contribuíram para a subsistência das empresas e da Segurança Social, e contribuem para relações económicas saudáveis e estáveis.

 

Mas percebe-se bem, e cada vez mais, a influência das ideologias neoliberais e populistas nas nossas sociedades democráticas, quando começam a impor uma novilíngua, um novo vocabulário quando se querem referir ao Trabalho e aos trabalhadores. Chamar colaborador a um trabalhador é, em si, uma declaração de intenções: o colaborador colabora para o lucro do patrão, enquanto o trabalhador trabalha para obter o seu ordenado e com isso manter a empresa lucrativa de forma a manter o seu posto de trabalho. Por isso existe uma lei do trabalho e não uma lei da colaboração. A luta sindical será permanente enquanto as nossas sociedades democráticas estiverem organizadas em função da subsistência das famílias através do Trabalho.

 

PEDRO, Edmundo – 45 anos de luta pela democracia sindical. 18 de janeiro de 1934-18 de janeiro de 1979. Reflexões de um militante. Lisboa: Fundação José Fontana, janeiro de 1979. 1.ª edição 9000 exemplares. "Desta obra foi feita uma tiragem especial de 1000 exemplares autografados pelo autor."


Edmundo Pedro (1918-2018) foi um revolucionário comunista que, desde muito cedo, aos 15 anos, combateu a ditadura fascista e participou em inúmeras ações contra o regime. Esteve preso várias vezes, chegando a ser enviado para o Tarrafal. Nessa altura, a sua militância no PCP foi suspensa por dois anos, por "indisciplina", por ter tentado fugir sem autorização do partido. Conviveu de perto com José de Sousa, Francisco Paula de Oliveira/Pavel e Bento Gonçalves. Defende, neste livro, a unidade sindical, quer dizer, a liberdade de os sócios dos sindicatos escolherem a sua própria tendência sindical, ao contrário do que defendia o PCP e a CGTP, que advogavam a unicidade, ou seja, uma única central sindical que agregasse todos os sindicatos portugueses. "(...) Não é difícil reconhecer que o fator decisivo de influência da CGTP/IN no seio dos trabalhadores (...) reside, essencialmente, na sua poderosa estrutura, que dá a muitos trabalhadores uma ideia, talvez enganadora, da sua força. De facto, o que interessa aos trabalhadores, na sua esmagadora maioria, não são as ideias políticas, muitas vezes ignoradas, dos dirigentes sindicais. Os trabalhadores não vão para os sindicatos por razões políticas. Não se inscrevem para apoiar projetos políticos, sejam eles quais forem. Acorrem aos sindicatos sempre que percebem que estes os defendem, que são uma garantia para a imposição dos seus direitos. Afastam-se, pelo contrário, quando se dão conta que a ação não visa essa finalidade." (p. 139)

 



VILANOVA, João – 1977/78 – Sindicalismo em Portugal. Perspectivas futuras/Pacto social. Lisboa: Assírio e Alvim, 1977. Coleção Forças do Tempo, n.º 4.


Este é um livro muito interessante por diversas razões. Começa logo pela editora, que nos habituámos como uma referência na edição literária, mas aqui, em 77, a editar um livro sobre sindicalismo e muito próximo da CGTP. Todavia, embora pareça um simples "panfleto" da central sindical, é muito mais do que isso porque dá espaço a todas as tendências sindicais daquele tempo, incluindo os "sindicatos de direita", como refere, que são os sindicatos bancários, afetos ao PPD. O livro inclui entrevistas com Joaquim Venâncio, Álvaro Rana, Kalidás Barreto, Arlindo Ribeiro e Emídio Santana. Faz também, em traços gerais, uma curta história da transição dos sindicatos corporativos para o sindicalismo democrático. Mesmo defendendo os interesses da CGTP-IN e certamente patrocinado pela central sindical, apresenta uma variedade de tendências que o torna num estudo importante.

 



DUARTE, José teófilo (desenhos); CASTRIM, Mário (texto) – História da Intersindical, Vol. I. Lisboa: Edições Alavanca, setembro de 1978. 5000 exemplares. 2.ª edição. Coleção Edições Alavanca n.º 9.


Uma singela edição de 12 páginas ilustradas para contar uma versão da história do sindicalismo português, com a chancela da CGTP-IN. Assinam José Teófilo Duarte e Mário Castrim. Uma curiosidade.

 



CARVALHO, Camilo; ANTUNES, J. Cavalheira; FERREIRA, Serafim (coords.) – Sabotagem económica. «Dossier» Banco Espírito Santo. Trabalho coletivo das comissões de delegados sindicais do Banco Espírito Santo e Comercial de Lisboa. Lisboa: Diabril Editora, abril de 1975. 1.ª edição. Coleção Universidade do Povo, política 3. Capa de Dorindo Carvalho. Dedicatória: "A todos os trabalhadores portugueses como mais uma alavanca para o processo revolucionário iniciado com o 25 de Abril de 1974 pelo glorioso movimento das Forças Armadas." Ilustrado.


Livro panfletário e anticapitalista. Faz a denúncia das movimentações financeiras dos próprios administradores do banco, com dados supostamente confidenciais. A tese é que o Banco de Portugal injetou milhões de contos na banca privada, que foram levantados e distribuídos pelos administradores, suas famílias e empresas e retirados do mercado nacional e, em parte, para financiar o golpe reacionário de 11 de março de 1975. É uma publicação típica do PREC (Processo Revolucionário Em Curso). Tem dados relevantes (mas, por verificar) e um capítulo onde os três coordenadores estabelecem um diálogo sobre a situação da banca privada e o seu futuro. A Editora Diabril foi constituída no início de 1975 por Orlando Neves e Serafim Ferreira na forma de sociedade anónima, mas em completo "espírito cooperativo", explicou o  também coordenador deste livro no programa literário da RTP, Com todas as letras, apresentado por Eduardo Prado Coelho.



CUF, Comissão Coordenadora Intercomissões de Trabalhadores do Grupo – O capital monopolista conspira assim!. Lisboa: Seara Nova, novembro 1977. 2.ª edição. capa de Henrique Ruivo.

 

Este livro é um objeto estranho. Trata-se, dizem os autores, da publicação de provas de uma conspiração do grande capital monopolista que pretendia o regresso ao 24 de abril. As "provas" foram encontradas em gabinetes e em arquivos pertencentes aos capitalistas Mello, quando os trabalhadores ocuparam as instalações da E.G.F. – Empresa Geral de Fomento, no edifício sede da CUF (Companhia União Fabril), em 19 de abril de 1975. Na verdade, é muito mais do que isso. Trata-se de planos de preparação de um campanha de marketing político para reagir à vaga de nacionalizações e ocupações de empresas, de forma a garantir o funcionamento da economia e a manutenção das suas empresas, presume-se, num sistema político democrático. É natural que estes empresários, que beneficiavam de um regime monopolista, não quisessem perder tudo, e preparavam uma campanha de negociações com a Junta de Salvação Nacional, com partidos políticos, com comissões de trabalhadores, através de uma associação privada sem fins lucrativos chamada MDE/S - Movimento Dinamizador Empresa /Sociedade. Inclusivamente, diziam que iam lançar medidas de construção de habitação social algo inovadoras, que querem dizer duas coisas: a) existia efetivamente um problema habitacional no Portugal do Estado Novo; b) os detentores do capital monopolista podiam ter contribuído para resolver o problema habitacional, quando beneficiavam desses monopólios, mas nada fizeram e só agora, em pleno PREC, é que se lembraram que deviam atuar. Os documentos revelados são até algo enternecedores: chegam a apresentar uma sondagem sobre as eleições eleitorais para a Assembleia Constituinte, em abril de 1975, em que os resultados estão muito próximos do que de facto aconteceu.

 



 AAVV – O caso dos 17 da Têxtil Manuel Gonçalves. Um documento para a história da luta dos trabalhadores. Porto: edição de autor, junho de 1976. "Trabalho coletivo dos trabalhadores ameaçados de despedimento pela Administração da Têxtil Manuel Gonçalves, S.A.R.L." Dedicatória: "Dedicamos este livro a todos os Trabalhadores Revolucionários que lutam contra a recuperação capitalista".


Trata-se de mais uma obra escrita por trabalhadores anticapitalistas que procuravam combater "os processos que, a partir do Verão de 1975, o grande Capital utilizou para fazer uma recuperação das posições que havia progressivamente perdido após o 25 de Abril de 1974". Durante o Estado Novo, a empresa tinha cerca de 3170 trabalhadores e um volume de negócios de 1 milhão de contos/ano, 70% destinado a exportação. Tinha três unidades fabris na zona de Famalicão e estava entre as dez maiores exportadoras nacionais. Não tinha cantina, refeitórios ou creches. Oferecia más condições de trabalho aos operários, a maioria mulheres. No entanto, tinha um prédio mobilado na Póvoa do Varzim para os quadros superiores passarem férias; tinha uma coutada de caça no Alentejo com 2350 hectares. Os administradores tinham carros luxuosos, um avião e barcos de recreio. Em resumo: era um grupo económico muito rentável, que baseava a sua produção em baixos salários. E então chegou o 25 de Abril de 1974!

 

TEODORO, António – Sobre as qualificações escolares e profissionais dos trabalhadores portugueses. Lisboa: Seara Nova, maio de 1977. 4200 exemplares. Coleção Cadernos Seara Nova.

 

Durante muitos anos António Teodoro foi o rosto dos sindicatos de professores, enquanto secretário-geral da Fenprof – Federação Nacional dos Professores (1983-1994). Em 1977, publicou este pequeno ensaio exploratório onde procurava conhecer as habilitações dos trabalhadores portugueses. O que se sabe desses tempos é que a herança deixada pelo Estado Novo era muito pesada: 1/4 da população analfabeta em 1970, a mais elevada taxa de analfabetismo da Europa. O estudo, aliás, faz uma panorâmica da "política educativa do fascismo" e centra-se bastante na alfabetização da população. Mas as conclusões, não estando comprometidas, são de outro tempo: "Para salvaguardar a independência – dizia o presidente Ho Chi Minh – e fazer do nosso país uma nação forte e próspera, cada vietnamita deve conhecer os seus direitos e deveres, estar apto a participar na edificação do país e, em primeiro lugar, saber ler e escrever na sua língua nacional" (p. 44).

terça-feira, 30 de abril de 2024

50 anos/50 livros – 25 de Abril 1974/2024 - Colonialismo (xii)

Colonialismo

 

O fim do multissecular colonialismo português marca o princípio da democracia. Para a História de Portugal são duas práticas e conceitos políticos, económicos e sociais  interligados que não se concebem um sem o outro. Quer dizer, não podia haver democracia em Portugal sem o fim do colonialismo, como não podia haver colonialismo com democracia. Muitos livros sobre a exploração dos povos e dos territórios africanos foram escritos durante o Estado Novo, mas foram apreendidos, proibidos e perseguidos os seus autores. Fica uma breve panorâmica sobre como os portugueses foram interiorizando essa exploração através da edição livreira.



MENDES, Luiz António de Oliveira – Memória a respeito dos escravos e tráfico da escravatura entre a costa d’África e o Brazil apresentada à Real Academia das Ciências de Lisboa, 1793. Porto: Publicações Escorpião, abril de 1977. Prefácio de José Capela. Capa de Flip. Cadernos «O homem e a Sociedade».

 

Luiz António de Oliveira Mendes, explica José Capela no prefácio, era um bacharel formado em leis na Universidade de Coimbra, em 1777, nascido na Baía por volta de 1750. Homem curioso, viveu 23 anos em África e escreveu mais de 30 textos (memórias, discursos, tratados, etc.), sobre os mais variados assuntos. Desde peças de teatro, a manuais de “machinas” ou criação de ovelhas para produção de lã de qualidade. Destacam-se os textos sobre os modos de vida dos indígenas africanos e sobre a forma como eram tratados enquanto matéria-prima no comércio de escravos, que é o que trata este texto, apresentado à Real Academia de Ciências de Lisboa. O autor faz um retrato tenebroso sobre como os portugueses, traficantes ou patrões, tratavam os escravos africanos. Oliveira Mendes era crítico da forma como os senhores tratavam os escravos, mas abstêm-se de fazer um juízo moral, não só porque a escravatura contribuía para a riqueza do reino, mas porque se dirigia a um público que o podia banir do funcionalismo público. É uma fonte coeva, direta, transposta para livro, que vem quebrar o infame discurso de que o colonialismo português era melhor que os outros. Só a transposição do 25 de Abril de 1974 poderia questionar a nossa história colonial e a forma como fomentámos o tráfico de escravos a nível global. Obviamente que ainda hoje são inúmeras as vozes em posição de destaque, mesmo ao nível da docência universitária, que rejeitam a realidade histórica, como relativizam o papel do reino português no tráfico forçado e no colonialismo africano e americano. Tive um professor universitário que, em 2022, tratava a escravatura como mão de obra. A escravatura é o trabalho forçado sem direitos; a mão de obra é referente ao trabalho remunerado, com mais ou menos direitos. Escravatura não é sinónimo de mão de obra. Esta distinção é intemporal.

 


ANÓNIMO – Cadernos Necessários 1969-1970. Porto: Afrontamento, novembro 1975. 2000 exemplares. Capa de João B. Arquivo III. “Nota introdutória – Reedição de uma publicação clandestina policopiada e distribuída no interior do país desde junho de 1969 até março de 1970.”

 

Este volume reúne cinco cadernos, do 1 (junho de 1969) ao 5 (março de 1970). Pode ler-se no editorial do Caderno 1: “Os CADERNOS NECESSÁRIOS pretendem dar satisfação a uma sentida necessidade de informação objetiva e de reflexão científica e séria da realidade nacional enquadrada numa perspetiva de democracia direta”. Os Cadernos Necessários eram editados por um conjunto de oposicionistas ao regime de várias proveniências, de esquerda, mas distantes do PCP, localizados na região do Porto. Os Cadernos Necessários foram editados pelos arquitectos Alexandre Alves Costa, Luísa Brandão e Vítor Sinde, pelo editor e livreiro José Leal Loureiro, pelo advogado Mário Brochado Coelho, a artista e escritora Marta Cristina de Araújo e ainda José Oliveira, Luísa Cerveira Pinto, Marcela Torres e Ricardo Lima [Ver a importante dissertação de mestrado em Sociologia de LIMA, João Carlos Mendes – O 1.º de Maio. Um grupo militante no processo revolucionário português: nascimento, morte e transfiguração. Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 2016]. O volume trata os mais variados assuntos: o Colóquio da Habitação de 1969, a luta de classes e sindicalismo, o movimento operário espanhol, Vitorino Magalhães Godinho e o socialismo no futuro de Portugal, as Conversas em Família de Marcelo Caetano, problemas estudantis. Trata também a questão do colonialismo. Trata-se de uma rubrica dedicada ao sistema colonialista português e os problemas dos movimentos de libertação nacional dos povos africanos. Revela um panorama sobre o que os portugueses podiam saber sobre as colónias uma vez que as notícias com elas relacionadas eram comentadas e procurava-se afirmar a sua contextualização a partir de notícias de órgãos de comunicação social estrangeiros e dos relatos de quem vivia os acontecimentos. Punha-se em causa a censura, que impedia a informação noticiosa das colónias africanas e as notícias da guerra. Por exemplo, o Caderno 5 dava conta que tinha sido assassinado em Angola o padre católico Lino Guimarães. Apresentava-se uma nota biográfica do padre, nascido em Quibala, onde foi preso em 1961, torturado e enviado para Portugal. Regressou a Angola, em 1969, mas foi assassinado por colonos, dizia-se. Apenas o Diário de Notícias, em Lisboa, deu nota da sua morte, mas referiu-se a acidente.

 

CAPELA, José – Escravatura. A empresa de saque. O abolicionismo (1810-1875). Porto: Edições Afrontamento, outubro de 1974. Orientação gráfica de João Machado. Edição de José Soares Martins.

 

Escravatura é um trabalho científico, um livro de História, mas também de denúncia, como são as obras do historiador José Capela. Revela factos chocantes que não eram conhecidos dos portugueses porque o ensino da História durante o Estado Novo traçava uma imagem benéfica e providencial da atuação nas colónias, procurando descrever uma pretensa ação civilizadora sobre os indígenas, apontados como seres inferiores. Ensinar a História desta forma durante quatro décadas é o mesmo que estruturar o racismo como um valor social. José Capela, na introdução, revela que viveu em Moçambique, em 1944, e que tomou consciência do apartheid praticado naquela colónia. As colónias portuguesas eram territórios de racismo, opressão e castigo sobre os naturais das suas próprias terras; territórios onde os nativos só existiam para servir os brancos, o colono. José Capela, pseudónimo de José Soares Martins (1932-2014), tem uma obra fundamental para se conhecer a temática e está (quase) toda disponível online no Centro de Estudos Africanos da Universidade do Porto. Aqui: https://www.africanos.eu/index.php/en/editions/e-books/e-b-ceaup



COELHO, Mário Brochado – Em Defesa de Joaquim Pinto de Andrade. Tribunal plenário criminal de Lisboa – 4.º Juízo Criminal, Proc.º 44/70. Porto: Afrontamento, edição do autor, sem data.

 

O advogado do Porto Mário Brochado Coelho escreve na introdução que o livro tem três objetivos: 1.º – Dar a conhecer o julgamento político de Joaquim Pinto de Andrade; 2.º – Dar a conhecer, também, a forma como o poder político e judicial tratam as questões relacionadas com o anticolonialismo; 3.º – Prestar homenagem ao angolano e amigo que “permanece um homem não só digno de si próprio como do povo a que pertence”. Muitos advogados publicaram os processos em que tomavam a defesa de presos políticos, como forma de denúncia das arbitrariedades do regime do Estado Novo. Em muitos casos, era a única forma que tinham de noticiar as prisões políticas e de pôr em evidência as arbitrariedades praticadas. Mas isso não era suficiente. Em defesa de Joaquim Pinto de Andrade foi proibido pela censura.

 


NOVAIS, Fernando – Estrutura e Dinâmica do Sistema Colonial. Lisboa: Livros Horizonte, maio de 1975. Coleção Horizonte, n.º 29, direção de Joel Serrão.

 

Este curto volume de uma emblemática coleção do final dos anos 1970, dirigida pelo historiador Joel Serrão, menos de 100 páginas, reproduz um dos capítulos da tese de doutoramento do historiador brasileiro Fernando Novais, intitulada Portugal e Brasil na Crise do Antigo Sistema Colonial (1777-1808). Lembra Serrão na introdução (“Duas palavras desnecessárias”) que o que de mais fundo aconteceu com 25 de Abril de 1974 foi o fim do multisecular colonialismo português e que agora podemos compreender melhor o processo histórico que terminou no dia da Revolução.

 

ANÓNIMO – Colonialismo e Lutas de libertação – 7 Cadernos sobre a Guerra Colonial. Porto: Afrontamento, agosto 1978. Edição de António Melo, José Capela, Luís Moita e Nuno Teotónio Pereira. Capa de João B. “Nota introdutória. Reedição de uma publicação clandestina policopiada. Compilação de textos significativos, procurando dar uma visão de conjunto sobre o colonialismo português e as guerras coloniais, com o intuito de fornecer um instrumento de trabalho para a luta anticolonial.”

 

Os Cadernos da Guerra Colonial foram escritos e distribuídos em 1971, quando se assinalavam dez anos de conflito. Pode ler-se o seguinte na nota prévia do Caderno I: “A persistência desta calamidade nacional, e a forma passiva e resignada como tem sido suportada, são resultado de um condicionalismo tão complexo como implacável, entretecido ao longo de quase meio século e cuidadosamente vigiado por um aparelho repressivo dos mais experientes. No condicionalismo assim criado, como na repressão permanente que o defende e o fortalece, um dos instrumentos mais decisivos tem sido a manipulação da informação por parte do grupo socio-político que detém o poder.” Entre os assuntos tratados nos cadernos: escravatura e trabalho forçado; ensino, educação e cultura nas colónias; racismo e direito de cidadania; o papel da Igreja Católica; as questões económicas (o comércio do vinho, a produção algodoeira, a construção de Cabora Bassa); a guerra e a situação militar em Angola, Guiné e Cabo Verde e Moçambique; solidariedade e futuro. Os Cadernos da Guerra Colonial, assim compilados, é uma obra esclarecida, útil, que deveria ser dada a ler aos milhares de veteranos da guerra colonial/libertação, dos dois lados do conflito, ainda vivos.

 


ABRANCHES-FERRÃO; Fernando; ZENHA, Francisco Salgado; Baptista, Levy; CARLOS, Manuel João da Palma – Angolanos no Tarrafal. Alguns casos de habeas corpus. Porto: Afrontamento, janeiro de 1974. Coleção Bezerro d’Ouro 8.

 

Este é mais um livro de advogados que retrata bem como era o regime do Estado Novo durante o período marcelista. Lê-se na nota introdutória, assinada por Levy Baptista, que em outubro e novembro de 1969 foram presas em Luanda pela DGS (antiga PIDE) 14 pessoas, trabalhadores e estudantes de cursos médios e universitários, sem qualquer acusação. Foram levados depois para o Campo de Concentração do Tarrafal, na ilha de S. Vicente, em Cabo Verde, que tinha o nome de Campo de Trabalho de Chão Bom. Ali ficaram a saber que tinham sido condenados a seis, oito e dez anos de prisão, mas sem conhecerem a acusação, sem que se pudessem ter defendido. Quatro desses detidos, defendidos pelos advogados que assinam o volume, beneficiaram da libertação por habeas corpus interposta junto do Supremo Tribunal de Justiça. No entanto, não foram libertados. Foram enviados para um campo de trabalho forçado, no sul de Moçâmedes, em Angola, junto ao deserto. Aqui se contam os passos dados no processo judicial e como a imprensa nacional e internacional lidou com o caso. O livro estava certamente proibido pela censura, embora não conste da lista Direção dos Serviços de Censura e Direção Geral de Informação. No entanto, na lista de livros sem autor está lá escrito “Afrontamento”, tal como Salgado Zenha e Palma Carlos já tinham livros proibidos.

 



OLIVEIRA, César – Portugal, dos quatro cantos do mundo à Europa: a Descolonização (1974-76). Ensaio e documentos. Lisboa: Edições Cosmos, novembro de 1996. 1.ª edição. Coleção História, n.º 12.


Não resisti a incluir esta obra numa rubrica sobre o colonialismo português. Primeiro, gosto bastante do trabalho do historiador César Oliveira (1941-1998); segundo, já tinha usado esta fonte quando escrevi sobre a Guerra Colonial/Libertação, AQUI no meios de produção. Entre muitas, é uma obra fundamental, iniciática, na abordagem do tema. Hoje em dia, com os estudos interdisciplinares sobre o colonialismo, vai perdendo a relevância que merece.



FERREIRA, Eduardo de Sousa – Aspectos do colonialismo português. Análise de economia e política sobre as Colónias Portuguesas, África do Sul e Namíbia. Lisboa: Seara Nova, outubro de 1974. Prefácio de Basil Davidson. Colecção de Leste a Oeste, n.º 11.

 

FERREIRA, Eduardo de Sousa – África Austral – O Passado e o Futuro. Análise de Economia e Política sobre as Ex-Colónias Portuguesas, África do Sul e Namíbia. 2.ª Edição Alargada de Aspectos do Colonialismo Português. Lisboa: Seara Nova, outubro de 1977. 3200 exemplares. Prefácio de Basil Davidson. Colecção de Leste a Oeste, n.º 11.

 

FERREIRA, Eduardo de Sousa – O fim de uma era: o colonialismo português em África. Lisboa: Livraria Sá da Costa Editora, 1977. Introdução de Basil Davidson. 1.ª edição, 3000 exemplares. Capa de Sebastião Rodrigues. Tradução do inglês por Maria Nazaré de Campos. Título original: Portuguese Colonialism in Africa: the end of an era. Unesco: 1974.


Eduardo de Sousa Ferreira (1936-2019) foi um professor de economia, catedrático jubilado no ISEG, formado na Alemanha, onde esteve exilado desde 1962, para fugir ao serviço militar obrigatório que o ia atirar para a guerra colonial. Foi aluno de Marcelo Caetano, Silva Cunha e Rui Patrício, os "expoentes do colonialismo", conforme se escreve nas notas sobre o autor no livro de 1974. Os dois primeiros volumes são o mesmo livro, mas a edição de 1977 foi aumentada e complementada com dados que o autor não tinha tido acesso anteriormente. É um autor fundamental na exposição da exploração colonial dos portugueses em África, nas últimas décadas do império. Foi o primeiro autor onde li que os portugueses fizeram um acordo com a África do Sul, em 1909, de forma a que exportações deste país fossem feitas através do porto de Lourenço Marques [Maputo] e em troca, Portugal  enviava mão de obra forçada, moçambicana, para as minas sul-africanas. O acordo foi revisto em 1934 e Portugal passou a enviar 80 mil moçambicanos para o trabalho mineiro. Entre outros dados importantes revelados pelo autor está o volume de negócios que as grandes multinacionais europeias e americanas faziam nas colónias portuguesas, enquanto decorria a guerra de libertação. O terceiro volume, como se vê pelo título, reproduz, atualizado, um dos relatórios que escreveu para a UNESCO. Contém dados sobre aspetos culturais e sobre a difusão e consumo de informação noticiosa. O que é interessante, e desarmante, nos livros de Eduardo de Sousa Ferreira, é a forma como usa e cita as fontes oficiais, quer dizer, todos os dados económicos sobre as colónias africanas eram oficiais; eram públicos, mas não de fácil acesso, e foram alvo de uma extensa análise.

 


BARRADAS, Ana – Ministros da Noite. Livro Negro da Expansão Portuguesa. Lisboa: Edições Antígona, 1991.  Capa de Antígona, sobre gravura em madeira de Escher "Vigia", 1937.
 

Esta seleção e compilação de textos feita por Ana Barradas é bastante chocante.  Refere, na introdução, que sempre que possível procurou indicar o autor da citação, a obra original e a data. Percorre assim, através de textos, quase sempre "textos oficiais", cinco séculos de contactos com os povos "descobertos" pelos portugueses. E o que fica é um relato de racismo e violência. O livro foi lançado em 1991, quando Portugal foi o país convidado da Europália, festival cultural realizado na Bélgica. O livro é uma iniciativa do MAR (Por um Movimento Anti-racista, Anti-colonialista e Anti-nacionalista) e foi um choque para muita gente. Pode ler-se na dedicatória: "Este livro é dedicado à memória dos milhões de pessoas transportadas como gado de trabalho da costa de África para o Brasil, para as Antilhas e para Portugal, durante os séculos que durou a «obra civilizadora» dos portugueses".